7 de fev. de 2012

Slow Science – A ciência precisa de tempo - Para REFLETIR...

Slow Science – A ciência precisa de tempo

A crescente adesão ao movimento Slow Science (Ciência Lenta, em tradução literal) trouxe novo vigor a um importante debate. O manifesto, assinado por cientistas alemães que se organizam através da Slow Science Academy, sediada em Berlim, defende a desaceleração do processo de produção científica nas academias. “A ciência precisa de tempo”, aponta o manifesto.

Para os autores do texto, a necessidade de uma produção acelerada está diretamente ligada à qualidade e efetividade da pesquisa. Por isso, o modelo atual privilegiaria um formato de pesquisas com resultados de curto e médio prazo. Além disso, a lógica de investimentos e reconhecimentos do pesquisador está diretamente ligada ao quanto se produz e publica, o que colocaria o cientista em uma rotina mecânica e apressada de produção e, porque não, até de insalubridade. “Pesquisar, refletir, ler, escrever, ensinar requer tempo. Esse tempo, nós não o temos mais ou temos cada vez menos. Nossas instituições e, ainda mais, a pressão social, promovem a cultura do imediato, do urgente, do tempo real, do fluxo intenso, dos projetos que se sucedem a um ritmo cada vez mais rápido. Tudo isso ocorre não somente em detrimento de nossas vidas – todo colega que não estiver sobrecarregado, estressado, ‘atolado em compromissos’ passa hoje por excêntrico, abúlico ou preguiçoso”, afirma o professor de antropologia da universidade de Nice-Sophia Antipolis, na França, Joël Candau, em artigo intitulado “Ciência & Tecnologia – Por um movimento Slow Science”, publicado na edição 49 da revista Universidade e Sociedade, do ANDES-SN.

Amplamente discutida no 31º Congresso do ANDES-SN, realizado em Manaus (AM) entre 15 a 21 de janeiro, a relação entre produtivismo acadêmico e a saúde dos docentes preocupa. Para o professor do programa de pós-graduação do curso de História e do departamento de História da UFSM, Diorge Alceno Konrad, todo esse processo era previsto, visto que segue a lógica privatista que está sendo implementada gradativamente nas universidades brasileiras. “Entretanto, o que prevíamos vem se aprofundando, levando ao aumento do estresse pessoal e de doenças relacionadas, quando não do aumento de óbitos docentes, da concorrência desleal entre colegas, do autoplágio, da disputa desenfreada por recursos internos e externos, enfim, da lógica privatista no interior da Universidade Pública e Estatal”, aponta Diorge.

“Estamos nos aproximando de profissões que trabalham no limite do estresse, como os médicos e motoristas”, afirma a professora do curso de Serviço Social da UFRJ, Janete Luzia Leite. Tal apontamento é fruto de estudo realizado por Janete e que tem em seu eixo central a relação entre o produtivismo e a saúde dos docentes de universidades públicas. O resultado final disso é o surgimento tanto de sintomas psicopatológicos (depressão, irritabilidade) e psicosomáticos (hipertensão arterial, úlceras estomacais, enxaquecas), como de sintomas comportamentais (agressividade, transtornos alimentares, disfunção sexual, aumento de consumo de álcool e tabaco e isolamento).

Processo Global

Para o professor do curso de História da UFSM, Carlos Henrique Armani, as críticas feitas pelo manifesto Slow Science representam um recorte da sociedade em que vivemos. “Penso que este movimento deve ser entendido dentro de um contexto mais amplo, que envolve não somente a ciência, como também outras manifestações do pensamento, tais como a filosofia, a arte e, para além desses níveis, a própria vida em sociedade, ao menos nas sociedades capitalistas ocidentais e ocidentalizadas. Nestas sociedades, o que é bom, belo e universal deve ser veloz e instantâneo. Trata-se de um universal axiológico que tem fundamentado nossas relações com a realidade”, ressalta o professor. Nesse mesmo sentido, o próprio título do manifesto, Slow Science, nos remete diretamente a um movimento muito próximo. O Slow Food, já conhecido ao redor do mundo, prega justamente a desaceleração da alimentação, tanto no consumo quanto na produção de alimentos.

Carlos Henrique segue sua linha de raciocínio questionando os critérios de definição do tempo que é tido como “bem aproveitado”. “Ao contrário de uma perspectiva que confere ao instante a única realidade do tempo, a Slow Science reivindica no seu manifesto a meditação e a reflexão como práticas que devem subsidiar o tempo de produção do conhecimento, colocando, ao lado do tempo veloz – do qual ela não abre mão, mas apenas questiona seu valor absoluto – aquele tempo da leitura, do diálogo, da escrita reflexiva, da discordância mais extensiva, mas não por isso menos intensiva”, e ainda conclui afirmando, “talvez estejamos em um momento de rever se todas as coisas sólidas têm, efetivamente, de se desmanchar no ar. E o manifesto está lançado”.

A qualidade em xeque

Para o movimento Slow Science a pressa é adversária direta da qualidade. Indo além, poderia ser dito que a pressa é inimiga da efetividade científica para além das universidades. Em um sistema de avaliação regido pelo número de publicações, segundo a crítica do movimento, o formato principal das pesquisas é àquele que funciona em curto prazo. Assim, terminado o trabalho, busca-se uma maneira de publicá-lo e efetivar seu sucesso. E o movimento de busca de um novo edital, um novo projeto e uma nova publicação recomeça, resumindo a esse espaço o universo da pesquisa cientifica acadêmica.

Na opinião de Rondon Martim de Castro, professor do curso de Comunicação Social e presidente da SEDUFSM, o afunilamento do espaço de atuação da pesquisa cientifica acadêmica, é mais um dos reflexos de um processo de privatização das universidades públicas. “O movimento Slow Science é a reação ao mal do produtivismo cego, sem sentido, que transforma experimentações empresariais em pesquisas momentâneas e atreladas a interesses mercantilistas e não sociais. É contra o produtivismo estatístico, que provoca publicações sem opinião própria, fragilmente fundamentadas e sem resultados, servindo apenas para contagem de pontos no currículo Lattes.”, afirma Rondon.

Diferente das críticas feitas pelo movimento, o professor do Centro de Ciências Rurais e Pró-reitor Adjunto de Graduação e Pesquisa, Carlos Alberto Ceretta, acredita que a velocidade e a quantidade ficam em plano de menor importância comparadas à efetiva qualidade do trabalho. “Essa discussão perdeu o seu momento, porque há algum tempo o foco da pesquisa converge muito mais à sua qualidade do que sua quantidade, ou seja, nunca estivemos tão próximos de que a maioria perceba que a produtividade deve, realmente, ser efetiva e, quando algo de qualidade é gerado, o que menos interessa é a velocidades à sua geração”, afirma. Além disso, para o Pró-reitor a discussão, da maneira que está sendo posta, é medíocre.

Já Edson Nunes de Morais, discorda. Defendendo a crítica feita pelo movimento aos critérios quantitativos de avaliação, o professor do departamento de Ginecologia e Obstetricia da UFSM, vai além e questiona a própria qualidade do pesquisador. “A fraude em ciência é antiga e especialmente entre os que publicam por metro linear, ou por quilo, se considerarmos que seu material será impresso. São muitos, mas muitos os nomes que tenho na memória e que vem ao encontro do manifesto do Slow Science”, afirma.

O professor ainda cita um caso: “um colega de especialidade, titular de conceituada Escola Médica do país, e que possui mais de 500 papers publicados, sendo pelo menos 200 em periódicos internacionais e de importantes "Impact Factor". Por sermos conhecidos de longa data (acompanho-o a mais de 30 anos) ele me revela alguns de seus segredos acadêmicos, entre eles o de que a grande maioria dos trabalhos com o seu nome entre os autores, ele sequer sabe do que se trata. Ah! dos 18 ou 19 livros publicados até o presente, em que aparece como autor-editor, só escreveu o primeiro; os outros sequer deu alguma ajuda aos seus ‘co-editores’. E aí? Viva o Slow Science”.

Dessa forma a produção e a velocidade empregada nesta, estão ligadas a uma quantidade imensa da do trabalho docente, além, é claro, do caráter que terá a formação do estudante universitário. E é justamente por isso que o professor Nunes pede cautela. “Na verdade o tema é de extrema complexidade e merece discussão continuada dentro das universidades. Afinal, os currículos de muitos fazem a diferença na hora de um concurso e cabe às instituições apertarem o gatilho para uma discussão aprofundada e séria. Daí a luta pela qualidade e não pela quantidade”, afirma.

Para o professor Rondon, a desaceleração da maneira de fazer ciência representa a possibilidade de resgate do real sentido da universidade. “Em outras palavras, significa pensar a ciência e o seu uso para o bem humano a médio e longo prazo. É ainda a valorização da pesquisa como um bem coletivo e dirigido ao bem-estar do cidadão, rompendo com avaliação de desempenhos baseados na quantidade e não na qualidade do conteúdo. E, a reboque, concede ao docente pesquisador o direito a "digerir" seus próprios resultados de pesquisa, tirando o caráter competitivo (por recursos e/ou bolsas) e permitindo o desenvolvimento do trabalho em um clima salutar”, conclui.

Texto: Rafael Balbueno
Foto: Blog do Fernando Nogueira da Costa
Assessoria de imprensa da SEDUFSM

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