26 de mai. de 2014

Eleições e Democracia

Democracia dos professores

Os homens constroem paredes demais e pontes de menos (D. Pire)

A escola pública e democrática, bem como as eleições que escolhem os representantes da categoria dos professores e professoras é hoje uma conquista institucionalizada, mas que, na prática, ainda está longe de ser realidade plenamente vivenciada nas escolas e nos sindicatos ou associações de professores. Embora os professores sejam as grandes referências para a cidadania e a luta por direitos para os seus alunos, nem sempre estes tem uma ação politizada eficiente quanto tratam de organizar os seus interesses e oas interesses da educação.
A crítica maior que podemos fazer aos sindicatos de professores é que estes centraram sua atuação apenas nas reivindicações salariais, deixando de atuar de forma mais ampla na perspectiva da educação. Os sindicatos se transformaram em máquinas administrativas anti-governos, descuidando dos interesses mais imediatos e significativos da vida funcional dos professores e da educação, de maneira geral.
Não são mais os professores que debatem a educação. O descuido para com as questões mais amplas e mais complexas da educação gerou um grande vácuo, agora ocupado por outros especialistas, de outras áreas, como economistas, sociólogos, filósofos. É inegável que eles tenham algo a dizer sobre a educação, mas suas reflexões não refletem o cotidiano da complexidade do dia a dia da educação.

As escolas são grandes laboratórios de exercício de poder. Cotidianamente, através das relações interpessoais, elas administram as suas tensões internas, fortemente influenciadas pelo poder externo (dos governos e da comunidade). E os professores, peças chave desta engrenagem, nem sempre são considerados em suas dimensões humanas e como sujeitos de sujeitos. Professores não são números. Professores são sujeitos, seres humanos, com suas opções pedagógicas e ideológicas. O exercício de seu ofício não lhes permite neutralidade, pois a educação é, por natureza, um ato político. Suas práticas pedagógicas resultam de suas trajetórias pessoais, de seus compromissos com o ser humano e de seus conhecimentos e aperfeiçoamento profissional.

Ao escolher os seus representantes, os professores deveriam escolher dentre aqueles que, além de competências técnicas e de organização sindical e política, sejam capazes de construir “mais pontes e menos paredes”. Que pensem o Sindicato ou a associação de professores como uma estratégia de valorizar seus professores, articulando-se com outras entidades a fins de promover mudanças substantivas na educação. Que utilizem o Sindicato para representar verdadeiramente os professores, não os interesses pessoais ou de partidos políticos.

O exercício do poder democrático é um dever e um legado que os professores podem deixar para a sociedade como um todo; esta é sua contribuição para a consolidação da democracia no Brasil.


Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

21 de mai. de 2014

Educar faz diferença.

Educar faz diferença.

Uma das mais importantes descobertas como educador ocorreu faz pouco tempo. As salas de aula de nossas escolas parecem de poucas novidades, riquezas ou descobertas. Felizmente, os seres humanos, por sua capacidade intelectiva e criativa, ainda sabem surpreender-se. Ainda permitem reagir diante do incomum. Ainda podem crescer e avançar.

Numa sala de aula de Ensino Médio Politécnico disse, espontaneamente: “hoje gostaria de dizer da minha felicidade pelo que aconteceu na semana passada nesta escola”. Sem perder tempo, um aluno interrogou: “Professor, como é diferente ouvir um professor falar bem de nossa escola. Eu nunca ouvi nenhum professor dizer de sua felicidade por estar nesta escola”. E eu disse a ele: “Sempre gosto de me sentir bem onde estou. Independente da escola, desejo me sentir bem. Gosto de dar aulas, gosto dos alunos do jeito que são. Gosto da escola do jeito que ela é. E por me sentir tão bem assim, faço o possível para que esta escola seja melhor ainda”. Mais alunos se manifestaram, dizendo que não gostam de sua escola, que sua escola poderia ser melhor.  Constatei que havia despertado em toda a sala um sentimento novo e diferente, capaz de gerar novos conhecimentos e novas interpretações da realidade.

Passado o fato, pus-me a pensar na importância do acontecido. Dei-me conta do quanto é importante para os alunos os professores falarem o que pensam. Dizerem quanto gostam deles. Falarem o quanto a escola é importante para a vida de cada um. Dizerem o quanto as pessoas da escola se importam com eles. Dizer-lhes quanto é importante exercer cidadania, reivindicando uma escola pública de qualidade, mais segura, conservada e bem cuidada. Falar-lhes que a escola pode ser um lugar onde se faz amigos, como queria Paulo Freire. Dizer-lhes, vivendo e comprovando que a escola é uma comunidade, que permite que cada um, e todos, coletivamente, possam exercer a convivência e encaminhar as suas escolhas.

Nestes mais de dez anos de profissão, tenho feito muitas descobertas com os meus alunos, mas esta, em especial, torna-se cada vez mais “preciosa”. Se até agora expressar verbalmente meu prazer de dar aulas e gostar dos alunos e da escola era um hábito recorrente, agora se tornará uma “ação intencionada”. Desejo uma escola com qualidade social e humana, que acredita no conhecimento como a melhor forma de emancipar as pessoas. Alguém será contrário?

Não julgo nem condeno colegas professores que tem muitas dificuldades de expressar os seus melhores sentimentos para com os seus alunos. Penso que poderiam observar o que eles trazem como expectativas a partir das quais podemos exercer nossa função de educadores. Acredito que muitas necessidades humanas podem ser atendidas e satisfeitas na nossa escola através da escuta, da consideração, da valorização de cada ser humano, do elogio, do diálogo e da conversa, do desafio para a organização pessoal e coletiva, do despertar dos sonhos e do gosto pela vida.

Nosso desafio maior é humanizar-se, na relação com os outros. Quando a gente permite conhecer e reconhecer os outros, torna-se sujeito de sua história e das histórias dos outros. Quando acredita que educação pode transformar as pessoas e a sociedade, começa a fazer alguma diferença na vida de nossos jovens educandos.

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

16 de mai. de 2014

Humanidade atropelada

Humanidade atropelada

“Enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora, vou na valsa...a vida é tão rara” (Lenine)
O trânsito de nossas cidades revela o nosso comprometimento pessoal e coletivo com a esquizofrenia e a imposição dos números. Passo Fundo, cidade do norte do Rio Grande do Sul, vive em 2014 a supremacia dos números, de carros. Segundo estudo do arquiteto e urbanista desta cidade, Daniel Bueno, nossa cidade dobrou o número de carros em relação ao número de habitantes, no período de 2006 a 2009. Estarrecedor!
Cabe então uma singela reflexão sobre o porquê da supremacia das máquinas e dos motores. O fato é que reduzimos nossas vidas a uma competição com o tempo. O que é a pressa senão a pretensão de reduzirmos tempo? O que é a correria senão querer fugir do lugar para chegar a lugares, e mais lugares? O que é a velocidade senão acelerarmos nossa louca correria.
Tudo corre muito ligeiro, mas o percurso e o desenrolar da vida segue regular. O tempo foi inventado pelos homens, mas a vida não. Enquanto aceitarmos que os números se imponham ao ritmo natural da vida, continuaremos lamentando o número de vítimas.
Aliás, o que são as vítimas além de números? Não nos assusta mais saber que, em apenas 05 meses do ano de 2014, 21 pessoas perderam suas vidas no nosso trânsito. Para ficarmos nos números, em 2013 foram 18 mortos. O que é que são 18 ou 21 pessoas mortas? O que elas representam diante de um total de quase duzentos mil habitantes?
Concordo com a afirmação das autoridades do trânsito de nossa cidade, de nosso estado e de nosso país de que os motoristas e pedestres são parte da culpa dos nossos acidentes. Que boa parte dos acidentes poderia ser evitada (sempre se...). Mas não posso ficar na mera constatação sem perguntar pelas causas. As causas, todos nós devemos investigar.
Cadê a nossa humanidade? Será que ela foi atropelada pelos números?Será que a organização do trabalho, da economia e do cotidiano das nossas cidades não está nos levando a uma mais completa loucura? Dizemos sempre que estamos correndo, mas nem sempre sabemos para onde nem atrás de que.
Fiquei pensando no que é mesmo esquizofrenia. Pesquisei e descobri que esquizofrenia é uma doença psiquiátrica endógena, que se caracteriza pela perda do contato com a realidade. A pessoa pode ficar fechada em si mesma, com o olhar perdido, indiferente a tudo o que se passa ao redor ou, os exemplos mais clássicos, ter alucinações e delírios. Ela ouve vozes que ninguém mais escuta e imagina estar sendo vítima de um complô diabólico tramado com o firme propósito de destruí-la. Não há argumento nem bom senso que a convença do contrário.”. (Dr. Dráuzio Varella, médico psiquiatra).
Concluí então que transito pode combinar com esquizofrenia. Não é louco?
(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)

11 de mai. de 2014

Amores de Nossas Mães

Amores de Nossas Mães

          Escrever sobre o amor de nossas mães é um grande desafio. O amor materno é sempre sagrado, capaz de abarcar as dimensões humanas mais ricas e contraditórias. Sua pureza se confunde com amor radical, mas nem sempre compreendido por sua incondicional capacidade de perdoar, reatar, reconsiderar, reaprender a viver do jeito que é possível, apesar dos pesares.
          Somente as mães conhecem realmente seus filhos e suas filhas. Por conhecê-los tanto e tão bem, são capazes de reconhecer seus desejos e potencialidades, mas também seus limites e fragilidades. Não raras vezes, são mal interpretadas, porque dedicam mais atenção e apoio para um dos seus filhos ou filhas que, justamente, o que mais necessita de sua ajuda e presença.
          Nossas mães aprenderam e ensinaram que ser justo é dar a todos e todas as mesmas medidas, as mesmas proporções, dividindo tudo em partes iguais. O bolo de mãe, o melhor de todos, é sempre dividido em partes iguais para cada um de seus filhos e filhas. Parece que esta é sempre a fórmula mais justa de dividir os bens e artigos que possuem materialidade. Mas valerá esta mesma regra para “distribuir” carinhos, afagos, apoio e atenções? Para as mães, não. Para os filhos, sim.
          Sem perceber, nossas mães fortaleceram nossos egoísmos e caíram numa cilada que, não raras vezes, volta-se contra elas à medida que os filhos, sempre diferentes, exigem que sejam tratados de maneira igualitária. Mas como tratar de forma igual filhos tão diferentes, com diferentes necessidades de compreensão, de apoio, de ajuda de todas as ordens, inclusive ajudas financeiras?
          Em toda família com mais de um filho há um que precisa de uma presença, vigilância e cuidado maior do que o outro. Não é verdade que as mães amam diferente a cada um de seus filhos ou filhas e amam em diferentes intensidades, mas é fato que as mesmas dedicam-se aos filhos na proporção da necessidade que os filhos revelam para elas. Por isso mesmo, não se justificam as birras e incompreensões para com elas.
          Não adianta a gente querer esconder de nossa mãe aquilo que a gente é. A mãe da gente não precisa de faro, nem de varinha mágica para descobrir o que se passa com a gente. Seu olhar e sua presença transpassam a nossa vida, tornando-a uma extensão.
          Celebremos, pois, o amor sagrado de nossas mães. Saibamos reconhecer que o bem maior, nossa vida, foi gerado por elas. Saibamos reconhecer que, com a pureza de seu amor, as mães jamais seriam incapazes de atrapalhar os nossos planos, desde que estes, uma vez verdadeiros, nos ajudem a ser o que somos.
         Todas as mães são únicas e a são a seu modo por conta de nós, seus filhos. Elas nos geraram, mas não puderam prever como a gente seria. Embora insistam em dividir o bolo em partes iguais, por força do hábito, elas nos provam que fazer justiça não é dividir em partes iguais, mas dar a cada um e cada uma conforme as suas necessidades.
          Vida longa e saudável a todas as mães brasileiras!

(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)

7 de mai. de 2014

Brasil e sua renda

Brasil e sua renda

O Brasil é um dos países da América Latina que se esforça para consolidar a democracia, sem fazer rupturas. Consolidar democracia sem rupturas é uma hipótese razoável para explicar a grande dificuldade que este mesmo país tem para enfrentar, definitivamente, o problema de concentração de renda. Conforme dados da ONU em 2011, considerando a desigualdade na distribuição da renda em 187 países, apenas outros sete países apresentam pior distribuição do que o Brasil: Colômbia, Bolívia, Honduras, África do Sul, Angola, Haiti e Comoros.

Neste país, nos últimos dez anos, surgiram novos sujeitos que se proclamam os “novos pagadores das contas e dos custos sociais”: a classe média. Ouço reiteradas queixas de donos de revenda de carros, médicos, profissionais liberais, donos de construtoras, vendedores de máquinas agrícolas e produtores rurais. Estes, como nunca, tiveram acrescidos incomparáveis lastros de renda, em função de um país que decidiu investir em setores que mantiveram os empregos e o desenvolvimento econômico, aquecidos.

Queixam-se estes que o governo lhes cobra contrapartidas como parte de sua responsabilidade social. Que o imposto de renda lhes toma os ganhos reais. Que os impostos são muito altos e incompatíveis com seus negócios. Mas a queixa mais comum é a de que os impostos pagos ao governo financiam os que não trabalham. Que os programas sociais só reproduzem o ciclo dos que não querem trabalhar.  Não hesitam em chamá-los de vagabundos, preguiçosos, desvalidos, oportunistas.

Os verdadeiros oportunistas deste país são outros: os banqueiros, os políticos e empresas corruptas, os investidores das bolsas de valores. Estes últimos não geram nenhuma riqueza, porque riqueza sempre é trabalho.

Carros, saúde, imóveis, serviços, máquinas agrícolas e produtos da agricultura são bens e produtos que resultam de nossa inteligência, capacidade e trabalho. Estes, sim, geram parte importante de nossa riqueza.

Nosso país produz bem, mas não consegue incluir a todos pelo trabalho. Se não pelo trabalho, todos os brasileiros tem direito a alguma renda, que lhes garanta dignidade humana. Estes que trabalham, e produzem, não o fazem sem apoio governamental e nem sem políticas públicas que escolheram setores produtivos capazes de alavancar nossa economia. Se não o fazem sozinhos e isolados, não podem querer desfrutar egoisticamente dos seus resultados.

Como dizia Herbert de Souza, o Betinho, “a verdadeira democracia não tolera a existência de excluídos”. A riqueza que é produzida coletivamente precisa de muitas mãos, mentes e tecnologia para ser gerada. Mais justo também que seja dividida.

(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)


6 de mai. de 2014

Conquistas cotidianas na escola

Conquistas cotidianas na escola

Os professores e professoras do ensino básico de nossa cidade, estado e país passam diariamente por muitas dificuldades para cumprir com sua função de educar, em tempos ligeiros, complexos e cheios de incertezas. Como educador, percebi que não fazia sentido continuar “reclamando” dos educandos e educandas com os quais trabalho diariamente. Reclamo, com muita razão, da falta de estrutura e apoio que as redes de ensino não oferecem em nossas escolas. Da falta do reconhecimento do meu trabalho e pela autonomia dos professores em suas salas de aula.
Moro num país que ainda não reconheceu a educação como um valor, mas que ainda considera a mesma um gasto e, na melhor hipótese, um investimento. Sonho e luto muito para que a educação seja prioridade, que as escolas sejam de qualidade e que o trabalho dos educadores seja reconhecido por toda sociedade. Mas, cotidianamente, tenho que arregaçar as mangas, os meus pensamentos e as minhas forças criativas para realizar o melhor trabalho como professor, sem descuidar da minha responsabilidade de lutar por melhores condições de trabalho do professor e da aprendizagem dos educandos e educandas. E de me somar com as forças de toda comunidade escolar, sobretudo dos pais dos estudantes e das organizações vivas do entorno de nossas escolas.
 A postura “vitimizante” do professor, adotada por muitos colegas, cega-os para reconhecer um universo de possibilidades e intervenções cotidianas que os mesmos realizam e que fazem uma grande diferença na vida de muitos estudantes e na vida das comunidades. Nós, professores e professoras, fazemos a diferença na educação brasileira. Por isso mesmo, temos que considerar também a nossa  condição humana de “seres aprendentes”. Como aprendentes, temos que nos dispor a compreender novos contextos e novas realidades que estão em processo de mudança na nossa sociedade, principalmente na vida de nossos adolescentes e jovens.
                O direito de aprender de nossos educandos e educandas precisa ser exercido com muita responsabilidade em nossas escolas, propiciando aos mesmos os conteúdos, habilidades e atitudes historicamente construídas e acumuladas. O direito à participação, através da opinião, de consultas e de tomada de decisões deveria ser exercido permanentemente com eles. O direito à convivência saudável, organizada coletivamente no ambiente escolar, propiciaria aos adolescentes e jovens oportunidades únicas para o exercício de sujeitos sociais e interdependentes. Nossas escolas deveriam ser lugares de “vivência de direitos” e de cidadania, onde pudessem ser praticados valores como a solidariedade, os direitos humanos, o respeito às diversidades culturais, religiosas e étnicas, a camaradagem, a promoção da dignidade humana.
Não podemos esquecer que a escola é para muitos jovens o único lugar de reconhecimento social e representa, para a maioria deles, a grande oportunidade de humanização. Mas se os jovens tem o direito de aprender, os professores tem para com eles o dever de se importar. A comunidade escolar tem o dever de acompanhar e subsidiar a compreensão das distintas realidades. Os governos tem o dever de respeitar a autonomia de cada escola e de prover as melhores condições para que a mesma possa se organizar conforme a necessidade e a vontade de quem a faz. Os estudantes tem o dever de aproveitar o que as escolhas lhes oferecem.
Nós já fazemos uma escola assim, mas acreditamos pouco nos seus potenciais de humanização, inclusão, valorização e promoção de cada pessoa e de todas as pessoas que dela fazem parte. Certo é de que ninguém fará esta escola pela gente, senão a gente mesmo.
(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)