26 de ago. de 2013

PASSO FUNDO - 15ª Jornada Nacional de Literatura

Onde se funde literatura

“As pessoas escrevem contra sua própria solidão e a solidão dos demais porque supõem que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe, e nos ajuda a conhecermo-nos melhor, para nos salvarmos juntos”. (Eduardo Galeano, em artigo “Em defesa da palavra”)

Quem de nós não idealiza viver ou representar uma grande história? Uma história de vida que seja capaz de alcançar a imaginação e a liberdade, que nos provocam ânsias sem fim? Que seja impactante para quem escreve e para quem lê a ponto de mudar sentidos de vida e pontos de vista. Estamos falando de histórias lineares e “enquadradas” por supostas utopias, mas estas já perderam o seu lugar.
Muitas vezes imaginei escrever uma história. Outras vezes, constatei a ilusão de querer contar histórias. Outros dias, minha própria história me pareceu insignificante. Quantas noites, embalado pelos meus pensamentos, busquei inspiração em outras histórias para não chorar as minhas próprias tristezas!
Não tenho personagens para as minhas pretensas histórias. Tenho a mim mesmo e me confronto com uma imaginação “pouco aflorada” para colher histórias dos outros e da minha imaginação. Conheço muitas pessoas, poucas histórias. Procuro entender, pelo semblante de muitos, o que poderá estar por trás do que não consigo ver. Queria poder adentrar-me, ou possuir alguns personagens, para compor histórias. Descubro, então, que tenho pouco a me dizer.
Ouvi dizer que, em grande medida, histórias escritas, lidas e adoradas por muitos de nós, são isso mesmo: simples histórias. Vivências, impressões, invenções, criatividade, desafetos, sentimentos, amores, olhares, conflitos, pontos de vista, percepções da vida e do olhar, ressuscitar de sonhos, contagiantes gostos, e liberdade.
Penso histórias como horizontes, na perspectiva das janelas de uma casa. Horizontes, semelhante janelas, têm por missão renovar nossos ambientes. Janelas arrejam e alimentam a utopia, de uma realidade que não existe mais numa casa fechada: (o mofo e as sujeiras, característicos de ambientes fechados, ninguém suporta mais). É preciso alçar voos para além das paredes, dos quadros, das salas de estar, das cozinhas, dos instrumentos e das lides cotidianas de cada um. Fechar janelas ou deixá-las trancadas gera a indiferença, o enigma, a escuridão e o castigo, a morte dos ideais, mas também da grandeza do infinito. Manter as janelas abertas é manter vivas as utopias da envolvente e complexa arte que é viver a vida.
 A literatura dos nossos tempos sugere escrever histórias a partir dos sofrimentos periféricos e esquecidos. Sugere dar voz àqueles e aquelas que se esforçam muito para “aparecer”, em busca de reconhecimento. Sugere histórias mais reais e mais próximas da realidade do leitor. Sugere mostrar um pouco mais da realidade que, não raras vezes, confunde-se com a própria ficção.
Encaremos, pois, os novos desafios do nosso tempo e de uma nova literatura.

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.


2 de ago. de 2013

Dos pobres e de solidariedade

Dos pobres e de solidariedade

 


 

Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados, magros demais, cegos, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas, cheio de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba. Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais”.(Artur da Távola)

Escrever e pensar a partir dos pobres não gera status social, nem dividendos econômicos. Lutar com eles e por eles gera, sim, reações raivosas e incomoda aqueles que desejam manter privilégios. Aqueles que lutam com e pelos pobres sabem que estes precisam ser defendidos não porque sejam bons ou maus, mas porque são vítimas de um sistema econômico e político de exclusão, que não gera oportunidades em igualdade de condições para todos. Para quem ainda duvida disto, eis o que foi anunciado pela ONU, ainda em 2009: “90 milhões de pessoas devem cair em condição de pobreza extrema até o fim deste ano no mundo por causa da crise econômica mundial”.
 
Difícil crer que as pessoas pobres e excluídas não sejam vítimas; autores é que não os são; não escolheram viver na indignidade. Vítimas necessitam de defesa, ajuda e amparo, para que se lhes resgate a condição de dignidade. Dignidade confunde-se com liberdade, na busca que cada ser humano faz para constituir-se gente. Como disse Cecília Meirelles, “liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta e não há ninguém que não a busque e ninguém que não a entenda”. 
 
Muitos dentre a gente perderam a noção de pertença à humanidade e não cultivam mais valores solidários. São moldados pela ideologia dominante que sugere que “a cada um é concedido conforme o seu empenho, o seu esforço, o seu talento”. Logo, a conclusão de que pobres são pobres porque assim o desejam. Ou que a condição de pobreza é resultado da falta de esforços e de vontade de cada um e cada uma. Outros desejam “enquadrar” os excluídos a partir de dados e estudos estatísticos, supondo que todos respondem do mesmo modo, mesmo nas diferentes adversidades e peculiaridades de vida de cada um. 
 
A inclusão dos pobres na sociedade não é nada natural. Inclusão pressupõe reconhecimento recíproco da nossa condição de seres humanos, com necessidades básicas para viver bem. Exige também reconhecer que todos  são capazes de fazer nossas escolhas e desenvolver nossas habilidades e potencialidades. Supõe também dividir a riqueza e a renda, que resulta do trabalho e da tecnologia produzidos por todos. Significa construir oportunidades em igualdade de condições para todos, indistintamente.
 
O jornalista Cláudio Brito, quando assume interinamente a coluna de Paulo Santana do Zero Hora, dia 10 de julho de 2009, levantou o debate sobre dar ou não esmolas e conclui que “precisamos encontrar formas de organizar a cidadania e a solidariedade dos muitos que ainda se compadecem com o sofrimento alheio dos excluídos. Quem doa esmolas ainda acredita que vidas podem ser recuperadas e salvas.” Talvez seja o caso de nos organizarmos para a prática de verdadeira solidariedade, ao invés de simplesmente dar esmolas.
 
Na democracia, deveríamos dar a todos o mesmo ponto de partida, pois o de chegada pode depender de cada um. “A verdadeira democracia não tolera a existência de excluídos”, disse Herbert de Souza, o Betinho. Só a solidariedade, no seu sentido mais amplo e profundo, será capaz de salvaguardar nossa condição de humanidade. Se “nascemos livres e iguais em dignidade e direitos” como preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos, temos obrigação de cooperar com os outros, em espírito de fraternidade. Assim, mais humanos nos tornaremos.
 
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.